CÍRCULO DE FOGO

Já começo por dizer que sou um leão, cujos dentes todos foram arrancados apenas por precaução. Viver a maior parte do tempo em uma jaula retangular, que treme conforme o atrito das rodas com os cascalhos do chão, não é tão ruim quanto ser cutucado diante de uma multidão de olhos expectativos por um deslize meu.

Todos sabem que não vou errar o centro do círculo de fogo, ou atacar meu algoz. Mas a verdade é que todos ainda esperam pelo contrário, anseiam pela quebra daquilo que já se tornou rotina nos circos que vagam por essas estradas.
Talvez, um pouco de mudança não fosse mesmo má ideia. A vida não é muito entusiástica para um leão de circo sem dentes. Às vezes, ainda posso senti-los aqui, firmemente presos à gengiva. A sensação quente dos incisivos abrigando minha língua. Essa língua mole, antes sempre sedenta por um pouco de sangue escorrido da presa recém capturada.
Algumas noites, sonho com meus dentes se desprendendo, um a um, caindo sobre as vítimas semimortas. A língua passando pelo espaço vazio ali deixado. Vejo o círculo de fogo trepidando a alguns metros dali. Recuo alguns passos sentindo o fogo traçando seu percurso sobre minha mandíbula cerrada.
São sempre nos dias que seguem essas noites, em que vou à multidão e vejo o círculo em chamas como a ironia de uma vida que cansou de dar suas voltas. Nesses dias, quase sorrio banguelamente para as chamas vermelhas. A morte que sorri provocativamente em línguas de fogo vivas.


Nenhum comentário on "CÍRCULO DE FOGO"

Leave a Reply